terça-feira, abril 18, 2006

Grand Canyon e a Arte

É lugar comum em conversas de café discutir-se pintura, música, literatura ou história. Normalmente emitem-se opiniões e confrontam-se gostos. Digladiam-se conhecimentos mais ou menos fundamentados sobre vários campos do conhecimento.
Normalmente não se confundem tendências artísticas nem épocas históricas; arrumam-se os vários artistas nos movimentos e séculos respectivos.
Beethoven foi influenciado na sua produção artística pelo papel histórico e social de Napoleão Bonaparte e não por Átila, o Huno.
Picasso apesar de o poder ter feito (como seria?) não pintou o tecto da Capela Sistina.
Os Medici não patrocinaram a obra literária de Samuel Beckett.
Estes exemplos, que roçam o absurdo, servem apenas para ilustrar que, e bem, a literacia artística e histórica têm um papel nos acto sociais que não tem a literacia científica.
É socialmente reprovado se alguém comete um dos deslizes atrás mencionados; mas um deslize equivalente é desculpável se esse mesmo alguém afirmar que no Marão existem pegadas de dinossáurio, que o Jurássico é um título de um filme ou que nós somos o píncaro da Evolução.
As obras de arte exercem em nós o despertar de emoções mas queremos sempre complementá-las com um background de conhecimento (quem fez, quando fez, etc.). As duas componentes completam-se, permitindo desfrutar de uma forma mais completa aquilo que foi produzido. Ou não, dirão alguns puristas…
Duas realidades – obra de Arte vs Paisagem Natural – como ponto de partida para sublinhar que a Cultura Científica, em geral, e a História Natural, em particular, não têm na população uma tão forte influência como outra áreas do conhecimento.
Nunca fui ao Grand Canyon.
Devido à minha formação científica e à minha vivência pessoal, reconheço que essa maravilha da morfologia geológica tem um efeito tremendo em quem a observa pela primeira vez. No filme homónimo de Lawrence Kasdan, o Grand Canyon é utilizado como a manifestação telúrica da insignificância do Homem, quer temporal quer física.
Qualquer pessoa, diante daquele enorme desfiladeiro, sente que tudo é relativo. Insignificante. E gosta do que vê. Memoriza.
Apesar do inquestionável prazer provavelmente é apenas o fruir dos sentidos, não sendo mais completa a experiência devido à iliteracia científica do que se vê.
Se o turista souber que as centenas de metros de altura de rochas que observa foram o resultado de milhões de anos de sedimentação geológica talvez o efeito seja diferente. Se souber que os sulcos quilométricos que ornamentam o grande desfiladeiro são o resultado da lenta erosão levada a cabo pelo rio Colorado ao longo de milhões de anos, talvez ficasse mais deslumbrado.
Para apreciar algo de belo não é fundamental conhecer como se chegou até ele mas que ajuda a melhor o apreciar, ajuda!
O prazer que algumas obras de arte nos oferecem poderão não necessitar da Teoria; mas sem ela não a gozaremos por completo, ficando quase empurrados aos “Gostei ou não gostei”.
De maneira análoga uma paisagem natural pode ser apreciada meramente ao nível imediatista. Mas a emoção que essa paisagem desencadeia em nós pode ser trabalhada pela educação científica.
Melhor sentida?
De certo melhor protegida.
A literacia científica é fundamental como mais-valia para vermos e apreciarmos a Natureza que nos rodeia.
E, já agora, donde vem o nome Jurássico?

P.S.- venham os artistas, venham as métricas, venham as escalas de Fá, venham os pincéis...

5 comentários:

Anónimo disse...

Sim, donde vem?!

Salseira disse...

Sinto-me tão insignificante... :)

Percebo perfeitamente o que queres dizer e concordo em grande parte. No entanto, acho que eu funciono mais com o QE do que com o QI. Nos dias de hoje, isso ainda me faz sentir, e a outros como eu, muito insignificante perante a enormidade da minha ignorância a determinado nível.

Um dia será diferente?

Ana disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Ana disse...

Não tem qualquer coisa a ver com o monte Jura? (França, Alemanha e Bélgica)

Anónimo disse...

Quanto à questão da origem do nome “jurássico” lamento não ter qualquer resposta, pois não tenho à mão um dicionário etimológico, e por sinal não existe nenhum on line. Todavia, não considero menos reprovável dizer que o jurássico é um título de um filme do que dizer que Picasso pintou o tecto da capela sistina, ou seja, esta treta toda para dizer que considero que a iliteracia quer num caso quer no outro não é mais ou menos reprovável.
Quanto ao background de conhecimento como forma mais completa para desfrutar quer seja aquilo que foi produzido pela acção humana quer pela natureza, permito-me discordar plenamente. Não quero com isto armar-me em “purista” ou defender uma posição em detrimento da outra quanto à melhor forma de apreciar seja o que for, quero sim salientar que a meu ver quem possui esse background não me parece ter mais legitimidade para dizer que aprecia ou desfruta melhor do que quem não o tem.
Pessoalmente tenho verdadeiro fascínio por várias obras artísticas e que numa grande parte delas só tenho a informação básica como o nome do autor e época em que foram produzidas, e não me parece que se alargar esse conhecimento me vá habilitar a apreciá-las melhor, para mim uma obra de arte (ou paisagem) valem por elas mesmas. Mas isto tem a ver com a minha não obsessão por interpretá-las, e nisto venho um pouco no seguimento de S. Sontag, no seu “Contra a Interpretação”. Isto, porque, penso que quando te referes ao background como maior habilitação de apreciação queres referir precisamente maior habilitação de interpretação quer de obras de arte quer da natureza (corrige-me se estiver errada).
Sontag quanto a este tema diz algo como isto: “Numa cultura cujo dilema já clássico é a hipertrofia do intelecto em desfavor da energia e da capacidade sensual, a interpretação é a vingança do intelecto contra a arte. E mais. É a vingança do intelecto contra o mundo - com vista a instaurar um mundo espectral de “significados”. É transformar o mundo neste mundo. (“Este mundo”! Como se houvesse outro.)
O mundo, o nosso mundo, foi já suficientemente reduzido, empobrecido. Basta de duplicados desse mundo, até vivermos de novo uma experiência mais imediata daquilo que temos.” E ainda: “Em vez de uma hermenêutica precisamos de uma erótica da arte.”
Quero, contudo, lembrar que não estou a defender esta posição como a melhor ou mais verdadeira, simplesmente estou a tentar mostrar que existe outra forma de olhar as coisas.

PS – Fui a Roma e não vi o Papa (com maiúscula).
:)